quinta-feira, 26 de março de 2015

As musas cegas

V

Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira
e a eternidade das mãos.
Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas
lâmpadas, todas as coisas.
As coisas que são uma só no plural dos nomes.
─  E nós estamos dentro, subtis, e tensos
na música.


Esta linguagem era o disposto verão das musas,
o meu único verão.
A profundidade das águas onde uma mulher
mergulha os dedos, e morre.
Onde ela ressuscita indefinidamente.
─  Porque uma mulher toma-me
em suas mãos livres e faz de mim
um dardo que atira. - Sou amado,
multiplicado, difundido. Estou secreto, secreto -
e doado às coisas mínimas.


Na treva de uma carne batida como um búzio
pelas cítaras, sou uma onda.
Escorre minha vida imemorial pelos meandros
cegos. Sou esperado contra essas veias soturnas, no meio
dos ossos quentes. Dizem o meu nome: Torre.
E de repente eu sou uma torre queimada
pelos relâmpagos. Dizem: ele é uma palavra.
E chega o verão, e eu sou exactamente uma Palavra.
─  Porque me amam até se despedaçarem todas as portas,
e por detrás de tudo, num lugar muito puro,
todas as coisas se unirem numa espécie de forte silêncio.


Essa mulher cercou-me com duas mãos.
Vou entrando no seu tempo com essa cor de sangue,
acendo-lhe as falangetas,
faço um ruído tombado na harmonia das vísceras.
Seu rosto indica que vou brilhar perpetuamente.
Sou eterno, amado, análogo.
Destruo as coisas.


Toda a água descendo é fria, fria.
Os veios que escorrem são a imensa lembrança.  Os velozes
sóis que se quebram entre os dedos,
as pedras caídas sobre as partes mais trémulas
da carne,
tudo o que é húmido, e quente, e fecundo,
e terrivelmente belo
─  não é nada que se diga com um nome.
Sou eu, uma ardente confusão de estrela e musgo.


E eu, que levo uma cegueira completa e perfeita, acendo
lírio a lírio todo o sangue interior,
e a vida que se toca de uma escoada
recordação.


Toda a juventude é vingativa.
Deita-se, adormece, sonha alto as coisas da loucura.
Um dia acorda com toda a ciência, e canta
ou o mês antigo dos mitos, ou a cor que sobe
pelos frutos,
ou a lenta iluminação da morte como espírito
nas paisagens de uma inspiração.
A mulher pega nessa pedra tão jovem,
e atira-a para o espaço.
Sou amado. - E é uma pedra celeste.


Há gente assim, tão pura. Recolhe-se com a candeia
de uma pessoa. Pensa, esgota-se, nutre-se
desse quente silêncio.
Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.
Depois levanta-se com os olhos imensos
e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,
aniquila o mundo com o seu silêncio apaixonado.
Amam-me, multiplicam-me.
Só assim eu sou eterno.

herberto helder

escuta-me, diz o coração
cabeça sobre o peito

abraça-me,
é o temor das distâncias
feitas de tempos e silêncios

escuta-me
afaste as noites insones de solidão

abraça-me, amor












Impossível fugir à atmosfera criada por Saramago em sua obra Ensaio sobre a Cegueira. É como se estivéssemos todos juntos àqueles cegos, sentindo o cheiro fétido e o chão viscoso dos corredores e quartos onde se amontoam. A angústia não é propriamente da cegueira que os confina a um mundo "branco". Mas, a cegueira dos olhos nos conduz ao que existe de mais abjeto entre os vivos.
Ao deixar um personagem dotado de olhos não cegos, nada mais faz do que ampliar nossa visão sobre o horror ao qual estão submetidos. Não nos permite o recurso de não enxergar, e não sentir. Sugere a reflexão sobre nossas próprias cegueiras.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

estão nas linhas, o bem, o mal, meu traço
nos gestos e nós que da vida desenlaço
desamarro fios e versos
arreio o tempo em meu passo

quinta-feira, 15 de julho de 2010

poema triste,
melhores já fizeram.
vá chupar limão,
cara azeda.
serás única,
mesmo na repetição

domingo, 25 de abril de 2010

Não peças tudo das palavras

Elas nascem do nada

Se insistires, acredite nos refrões

Soam fáceis

Ecoam desvairados

Alegres e imbecis

Cale-se

terça-feira, 20 de abril de 2010

visita íntima

Falo dos dias que visito seu corpo.
São doces, não são?
Deixo meu abandono
em sua carne.
Ah, esse é o nosso baile.
Carrossel em espiral.
Gargalhadas cravadas em escritos de parede,
"o amor que liberta,
preso nas ranhuras desta cela"